Páginas

sábado, 5 de janeiro de 2013

Sabe?



Fui na Americanas e lembrei de você.
Sério, foi isso mesmo. Tanto que taí a prova, comprei esse DVD ridículo. O caixa ficou me olhando de um jeito risonho quando fui pagar. Custou 14 reais e 90 centavos.  A Lagoa Azul. Comprei porque você precisa assistir, meu deus, como você se considera brasileiro sem nunca ter visto esse filme? Estudos mostram que a média brasileira é ter visto A Lagoa Azul três vezes ao longo da vida. Eu fiz o estudo, tá valendo. Eu vi cinco – que eu me lembre.
Acontece sem querer. De repente você está deitado no sofá e a Sessão da Tarde começou. A Lagoa Azul. É carismático, o filme; você vai assistindo com uma cara de nojo porque é meio asqueroso, mas você quer continuar assistindo. E você assiste até o fim. E ainda assiste Malhação depois. 
Você vai detestar, de qualquer forma. É um lixo, ruim mesmo. Mesmo para padrões não tão elevados, o que é meu caso (não posso ver Meninas Malvadas passando que fico assistindo até acabar). E é o seu padrão também, um dos seus filmes favoritos é Space Jam. E já posso até ver sua cara perplexa dizendo que Space Jam é genial, brilhante, fabuloso, mas calma, calma, eu concordo com você. Space Jam é divertido. Tudo bem.
Tudo bem. Tudo bem. Não sei mais o que dizer, na verdade, escrevi esse monte de coisa só pra deixar claro que esse filme não significa nada além de uma piadinha.
Ou talvez signifique mais; significa um primeiro presente, uma coisa a qual você vai olhar e vai lembrar de mim, e toda vez que estiver passando A Lagoa Azul na TV você vai me ligar e vamos ficar conversando e assistindo e comentando o filme, vai ser lindo. Esse filme talvez signifique uma coisa grande, que nem o que eu senti semana passada quando eu estava olhando pra você, um pouco antes de você dizer que nunca tinha visto A Lagoa Azul. O que eu senti quando seu braço estava no meu ombro e uma pessoa olhou para nós e sorriu com os olhos, como se soubesse. E naquele mísero segundo eu também soube, só que depois esqueci, e depois lembrei de novo, quando demos as mãos. E aí esqueci. E de vez em quando eu venho sabendo de novo, entende o que eu tô dizendo? Quando estou com você, é como se eu soubesse. E enquanto eu estou escrevendo isso, eu também estou sabendo. Sabe? Espero que você saiba também. 

sábado, 17 de novembro de 2012

Próximo



Foi meio que filhadaputamente estranho te encontrar hoje justo na fila de estreia do novo filme do Tom Hanks. Quer dizer, não foi sobrenatural, né, ele é seu ator favorito também, eu lembro bem. Lembro bem que a primeira vez que você viu Náufrago foi comigo. Lembro até que suas meias estavam descombinadas quando você tirou os tênis para deitar no sofá.
Enfim, foi estranho, mas foi bom te ver. Meio que me acostumei a não te ver de jeito nenhum. Nossa cidade é grande, a gente acabou conseguindo se evitar meio que sem querer (querendo). Isso tornou as coisas mais fáceis, sabe, no começo. Ou no fim. Depois do fim, e no novo começo. Você sabe. Mas agora é só estranho te ver. É como se fosse ver uma celebridade da qual você não gosta muito; você vai lá e cumprimenta porque é legal, mas não se sente feliz com isso.
O filme é bom pra caralho, né? Meu coração tá ainda mais sobrecarregado com o tanto de amor que tenho pelo Tom Hanks, meu deus. Acho que tô fugindo do assunto. Ou estou só sendo madura e tendo uma conversa cordial com alguém com quem eu já fui um “nós” e esse “nós” acabou em merda. Maturidade.
Concluindo, foi bom e estranho te ver. Acho até que devíamos ser amigos. Vamos marcar uma coisa outro dia. Um café, um sorvete, um almoço. Quem sabe próxima semana. Ou, melhor, próximo mês. Talvez próximo ano.
Próxima vida, quem sabe.  

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

sdds



Pelo visto saudade é uma palavra muito valorizada e, claro, muito sentida. Pelo menos todo mundo sente essa merda por alguma coisa, sabe, sente a falta do passado. Alguns sentem falta de coisas que sequer existiram. Coisas que hoje a única utilidade é fazer falta, mas um dia também serviram pra passar o tempo, pra distrair, pra iludir... Tem pessoas que sentem falta de outras pessoas - isso tem de mais. E tem gente que sente falta de fazer parte de um “a gente”. Outros sentem saudade dos lugares, das datas, e os que sentem falta da própria saúde. E aqueles que ficam possuídos de saudade de escolhas que não fizeram, de oportunidades que não aproveitaram.  E tem os que sinto falta de sentir falta. Tem os que sinto saudade de me importar. Aqueles que sinto falta só de uma sensação, parecida com a primeira vez que se lê aquela frase, daquele livro... Tem aqueles que sinto saudade de coisas que aconteceram mês que vem. Aqueles que sinto falta do futuro. Ou só sinto a vontade de sentir a tal saudade de que tanto falam.  


sábado, 30 de junho de 2012

Urbano



 Eis que ela decidiu procurar uma cartomante. Talvez tenha sido um erro (na verdade o foi) mas ela não sofreu consequência alguma. De qualquer forma, ela achou “urbanamente poético”: Telefonou para o número colado nos postes, marcou a consulta e se sentiu num conto do Machado de Assis. Mas sem aquela tragédia toda.
“Trago o amor de volta em 2 dias”. Era um slogan lindo, pensou ela. Prático, atraente e tão... urbanamente poético. Chegou a terça. Ela pegou o ônibus para ir à tão mística mulher.
Mas, quando entrou no transporte, percebeu o erro. Não que tivesse pegado o ônibus errado. É que a cartomante não poderia ajudá-la. Não poderia trazer de volta um amor que nunca mesmo veio.
Outra coisa que ela percebeu foi que isso não a machucava. Não mais. O tempo é realmente um remédio versátil. Cura o tudo. Cura até mesmo as feridas que ele mesmo causa. Esquisito. E urbanamente poético também.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Aos 45



Caro ex-quase-amor,
Estou mais uma vez aqui falando pra você que não sabe quem é, e provavelmente nem vai ler isso. Ou talvez nem tenha a oportunidade, porque essa talvez entre para a pasta das “jamais entregar”. Enfim, isso não importa. Também não sei o que realmente importa.
Mais uma coisa que não sei é se um dia vou parar de sempre te ver como um possível amor. Palavrinha forte, essa, né? E clichê. Hoje em dia quem a diz com seriedade não precisa ser levado a sério. Babaquices a parte, eu falei sério. Eu gastei muitos sonhos bonitos com você. Eu não lamento isso, mas também não aplaudo. Já disse que você não a teve a menor parcela de culpa. Eu sei que fiz tudo isso sozinha.
Acho que ainda vou ter muita gente com a qual sonhar e tudo, e tal. Mas também acho que quando eu tiver com uns 45 anos, vamos nos encontrar e vou sentir certas cócegas no coração. Vai vir todo aquele borbulho de juventude (a qual vivo agora parecendo ter 87 anos). Vai vir  aquela pergunta maldita: “E se...?” O pior é que, nesse caso, ela vem com a resposta: Sim. A gente daria certo. A gente seria um “nós” bonito. Mesmo que só por uns meses. Só por um segundo.  Não sei pra você, mas isso bastaria pra mim.
De qualquer forma, juro que é a última. A última carta que te escrevo e não te entrego.
Te vejo no nosso encontro aos 45 anos.
Com quase-amor,
Eu.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Se ele morresse amanhã



Se ele morresse amanhã, doeria. Em quatro pessoas, uma dor que talvez nunca fosse superada. Outras cinco sorririam só depois de um mês. O resto, dois dias depois. Todo mundo diria: “Tão jovem. Tão jovem.” A repetição é pra dar mais drama à frase.
“Um jovem sonhador, que amava a arte, amava a vida, amava amar.” O ideal seria acrescentar depois “Pena que nunca teve oportunidade.” Mas não fariam isso, pois suporiam estar ofendendo-o. Não estariam. Verdade não ofende. Só machuca, e morto não sente dor.
A verdade é que, mesmo jovem, já devia ter vivido alguma coisa. No mínimo... Uma. Só uma. Mesmo que fosse para sofrer. Só pra ver se estava mesmo vivo. Era isso que desejava.
Fez uma lista de desejos para o funeral. Queria que tocasse música boa. Músicas muito boas. Músicas que causavam arrepios. Não queria silêncio, não queria ouvir o barulho de lágrimas deslizando nos rostos. Também não queria palavras bonitas no discurso sobre ele. Queria palavrões. Queria ironia e trechos de best-sellers.
Mas não iria morrer. Só fez pelo tédio. Não tinha coragem nem paciência para suicídios. Tinha coragem e paciência somente para continuar na vida só para ver o que acontecia. Só podia ser esse o final, de todo modo. Uns 60 anos a mais não fariam diferença, pensou, mesmo sabendo que era idiota pensar isso. Talvez pudesse ouvir música enquanto isso. Com muita sorte, poderia até viver...
A dor de estar existindo de forma tão rasa estava muito bem mascarada com risos, piadas, distrações. A noite viria, trazendo duas lágrimas na garupa. No dia seguinte, o dia em que ele deveria estar morrendo, releu sua lista de desejos e gargalhou. Mais tarde choraria de novo.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Trovoadas



 Aquela criatura ali é diferente. Pode até existir mais algumas dez como ela espalhadas no mundo, mas é que... é estranho uma dessas estar justo tão perto. Ela tem uma pose de rainha, tem um jeito monárquico. E tem um olhar de cor carnavalesca, tem gestos agressivos, tem uma aparência inegável de força. Mesmo assim, ela soa humilde, quer parecer discreta. Mesmo assim, ela tenta ser sutil. Mesmo que não consiga. É engraçado observá-la. Porque assim que se olha para ela, vê-se que ela tem planos, tem esperanças, tem sonhos ocultos. Ela rejeita a poesia, mesmo sendo uma de carne e osso. Ela é toda uma metáfora. É um choque de realidade no meio da utopia. Ela é tão carnívora, tão saguinária, e consegue parecer toda delicadeza quando quer. Ela tem seus dias, tem suas regras, tem um milhão de princípios que mal segue por falta de oportunidade. Ela é clichê. Ela é rara. Ela gosta de se odiar, mas gosta mais ainda de se amar. É insuportável... mas indispensável.