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sexta-feira, 30 de março de 2012

Se ele morresse amanhã



Se ele morresse amanhã, doeria. Em quatro pessoas, uma dor que talvez nunca fosse superada. Outras cinco sorririam só depois de um mês. O resto, dois dias depois. Todo mundo diria: “Tão jovem. Tão jovem.” A repetição é pra dar mais drama à frase.
“Um jovem sonhador, que amava a arte, amava a vida, amava amar.” O ideal seria acrescentar depois “Pena que nunca teve oportunidade.” Mas não fariam isso, pois suporiam estar ofendendo-o. Não estariam. Verdade não ofende. Só machuca, e morto não sente dor.
A verdade é que, mesmo jovem, já devia ter vivido alguma coisa. No mínimo... Uma. Só uma. Mesmo que fosse para sofrer. Só pra ver se estava mesmo vivo. Era isso que desejava.
Fez uma lista de desejos para o funeral. Queria que tocasse música boa. Músicas muito boas. Músicas que causavam arrepios. Não queria silêncio, não queria ouvir o barulho de lágrimas deslizando nos rostos. Também não queria palavras bonitas no discurso sobre ele. Queria palavrões. Queria ironia e trechos de best-sellers.
Mas não iria morrer. Só fez pelo tédio. Não tinha coragem nem paciência para suicídios. Tinha coragem e paciência somente para continuar na vida só para ver o que acontecia. Só podia ser esse o final, de todo modo. Uns 60 anos a mais não fariam diferença, pensou, mesmo sabendo que era idiota pensar isso. Talvez pudesse ouvir música enquanto isso. Com muita sorte, poderia até viver...
A dor de estar existindo de forma tão rasa estava muito bem mascarada com risos, piadas, distrações. A noite viria, trazendo duas lágrimas na garupa. No dia seguinte, o dia em que ele deveria estar morrendo, releu sua lista de desejos e gargalhou. Mais tarde choraria de novo.

Um comentário:

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